A primeira pessoa tratada pela terapia da palavra se chamava
Bertha Pappenheim, mas ela ficou conhecida como Anna O. Foi assim que os
médicos Josef Breuer e Sigmund Freud a chamaram na hora de narrar o caso
clínico que germinou a psicanálise. Anna O. sofria de alucinações histéricas,
sonambulismo e se recusava a beber água. Já levava 6 semanas ingerindo somente
a água de frutas quando os sintomas começaram a desaparecer – sempre após falar
em voz alta sobre o que a atormentava. “Depois de ter desabafado energicamente
a raiva que ficara dentro dela, pediu para beber e bebeu sem inibição uma
grande quantidade de água, acordando da hipnose com o copo nos lábios. Com
isso, o distúrbio desapareceu para sempre”, escreveram os dois no livro Estudos
sobre a Histeria, de 1895.
Anna O. fez Freud ter uma sacada genial: expressar em voz alta
pensamentos opressores e resgatar lembranças traumáticas causam efeitos
benéficos ao corpo. Isso parece óbvio hoje em dia, mas não naquela época. As
pessoas então enxergavam o corpo e a alma (o pensamento e o sentimento) como
elementos que se opunham ou pelo menos não se comunicavam. Tratavam-se doenças
mentais com procedimentos físicos, como eletrochoques ou incisões no cérebro.
Com a criação do tratamento pela fala, Freud revolucionou a psiquiatria,
criando uma nova área de estudo – a psicanálise.
Primeiro, ele afirmou que todos temos problemas mentais de menor
ou maior grau. Cada pessoa, para Freud, monta sua identidade em cima de
conflitos do inconsciente – local dos traumas e desejos reprimidos na infância.
Depois, para chegar a esses desejos e impulsos que operam abaixo do nível da
consciência, ele criou todo um conjunto de técnicas. Colocou um divã para
dentro do consultório (e do nosso imaginário), onde o paciente deveria sentar e
falar fazendo associações livres, de modo que o psicanalista pudesse desvendar
as reais motivações por trás daquela fala e dos sonhos que a pessoa narrava ter
vivido. “Não apenas Freud inventou sozinho o campo da psicoterapia mas o fez de
uma só vez”, afirma, no livro Os Desafios da Terapia, o psiquiatra Irvin D.
Yalom, professor emérito de psiquiatria da Universidade Stanford (EUA) e autor
de Quando Nietzsche Chorou.
Nesses mais de 100 anos, a psicanálise se multiplicou em
diferentes teorias e abordagens, dando origem a uma área mais abrangente, a
psicologia. Mas a criação de Freud permanece a fonte onde, de alguma forma,
todas as correntes da psicoterapia ainda bebem. “Dá para considerar a
psicanálise como o berço de todo o campo, pelo menos em relação à maioria das
linhas de psicologia profunda”, diz Franklin Goldgrub, professor de psicologia
da PUC-SP. De modo geral, o terapeuta com alguma influência de Freud tenta
provocar no paciente um processo de autoconhecimento, ou seja, de descoberta da
raiz das suas motivações e traços de personalidade. Um processo que envolve
passos como estes:
Rever o passado. Entre
psicólogos, é comum ouvir a frase “o passado muda todo dia”. A ideia é que
podemos voltar aos fatos do passado que mais nos atormentam e reavaliá-los,
dando a eles outro significado. Fazer uma “arqueologia da alma”, como dizia
Freud, passa por descobrir como nossos pais e os desejos deles influenciaram a
nossa vida. Uma passagem de Cartas a um Jovem Terapeuta, do psicanalista
Contardo Calligaris, explica por que a infância assume papel tão importante na
terapia: “Não é porque os eventos da infância sejam mais marcantes do que os de
hoje, mas porque os eventos de hoje tomam relevância e sentido a partir de
nosso passado e, portanto, de nossa infância”.
Tomar consciência. É quando o
paciente descobre o que faz com a própria vida e tenta vislumbrar o motivo por
trás de suas ações. Geralmente a tomada de consciência provoca descobertas
revolucionárias sobre si próprio, do tipo: “Minha mulher morreu há 3 anos e
desde então vivo fingindo que ela está viva” ou “Sou ranzinza e intolerante com
as pessoas da mesma forma como ajo comigo mesmo”.
Responsabilizar-se. Depois que a
pessoa se dá conta de seus traços de comportamento, vem a hora de tomar para si
a responsabilidade pelos problemas e deixar de culpar os outros – os pais, o
chefe, a sociedade ou o marido que decidiu ir embora. Como diz o psiquiatra
Yalom no livro O Carrasco do Amor: “Se a pessoa não se sente responsável pelas
próprias dificuldades, como, então, ela será capaz de modificar sua situação?”
Não significa se culpar pelos infortúnios da vida. “Culpar-se é querer se
castigar. Responsabilizar-se é querer mudar. O objetivo é fazer a pessoa
perceber o que quer e como ela própria se sabota”, diz Goldgrub.
O problema é que esse roteiro inspirado nas idéias de Freud pode
demorar anos para se desenvolver – e ninguém garante que produza os resultados
que o paciente espera. Tem mais: muitas das teorias de Freud e outros grandes
psicanalistas não nasceram do método científico tradicional – aquele em que um
cientista delimita um universo de pesquisa, faz análises e a partir dela tira
conclusões. Suspeita-se até que Freud tenha exagerado histórias de seus
pacientes para comprovar sua teoria. “Do nascimento da psicanálise até hoje,
várias idéias de Freud foram descartadas”, diz o neurocientista Renato
Sabbatini, da Unicamp. “A neurociência, por exemplo, descobriu que os sonhos
têm mais a ver com a memória do dia anterior do que com desejos reprimidos.”
Fonte: Super Interessante
Um comentário:
Olá passei para elogiar os artigos. E deixar meu testemunho que 6 anos fazendo terapia com ótimas profissionais têm feito muito bem para minha existência. Antes desgastante, cansativa e confusa. Depois de tantos traumas, através da terapia vejo neles outros significados. E dou a minha vida, alma e mente um significado mais frutífero. Para mim e para as pessoas a minha volta. Obrigada a esses profissionais .
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