terça-feira, 5 de junho de 2012

História de um Homem Bipolar


Chamo-me Pedro C. Ian e tenho trinta e três anos. Desde a minha infância tenho apresentado sintomas de problemas psiquiátricos, como episódios de depressão severa. Aos trinta anos, sem nenhuma razão aparente, sofri, pela primeira vez, uma crise psicótica, segundo o meu diagnóstico.

Nenhuma outra adversidade me perturbou tanto; nenhuma outra adversidade desvelou a vanglória do meu olhar e do meu discernimento com tanta veemência: o que era verdade transmutou-se em ilusão e esta, no meu caminho. 

Foi como se, furtivamente, um espectro se assenhoreasse de mim, convertendo-me numa espécie profeta maldito. Habitado por visões tenebrosas, conduzido por uma profusão de vozes malévolas, passei à escrever febrilmente, dia e noite, trilhando os meus únicos dias de glória e danação. 

A realidade foi perdendo a sua solidez, e eu fui me adentrando mais e mais num mundo horrendo e mais esplêndido, e mais real do que tudo que já testemunhei; como se eu jamais tivesse sentido a formosura impalpável das coisas, a sua aflição agonizante...
Rendi-me ao fulgor que emergia em violência e desolação através dos meus olhos turvos, desvairados pela densa obscuridade do meu espírito; pelos seus traços insondáveis e trágicos enterrados ao lado do que outrora fora razoável.

Eu sabia que eu estava sendo transformado por esse ser que viera usurpar os meus bens mais preciosos  e me destruir. Sem mais interesse pelo cotidiano e invadido por uma vulnerabilidade crescente, eu buscava uma vereda distante das minhas inquietações mundanas; pois eu tinha que me deixar de lado antes de seguir adiante; uma promessa do alto traçara a minha peregrinação insana, tão lúcida ao mesmo tempo. 

Uma lança celestial iria trespassar o meu corpo para que o meu sangue pudesse ser vertido em revelações, em forca escarlate que irrompe das vísceras e se propaga até ao infinito; assim eu iria me olvidar de mim, cultivando a minha dor como uma graça. Urgia que eu perseverasse sobre um solo movediço, desprovido de qualquer generosidade humana.

E eu fui um menino guiado por desígnios sagrados; perseguido em pesadelos malévolos; fui marcado por essa melancolia que jaz no fundo dos meus olhos. Fui sempre abundante de um pesar funesto, e desde os tempos mais longínquos, reneguei os apelos do infante atormentado que sempre fui e sempre serei; ainda irei contemplá-lo através de suas peculiaridades inefáveis de uma vida inteira; eu sempre o estimei mais do que a mim mesmo, mas nunca ousaria declarar-me às suas vozes profanas desencaminhando-me desde o principio. Ouçam-me; eu não ousaria tentá-lo converter da sua maldade; eu não ousaria purgar o lamaçal do seu encantamento, senão eu não reconheceria mais os meus traços, eu me perderia, irmãos; e não seria mais capaz de um só ato de bondade, compreendem? 

Desde cedo, eu aprendi à ser indiferente à insanidade; aparentava nunca ser sido alcançado por suas garras e seus danos irreparáveis dissipados em minha memória, esquecidos para sempre na mente do infante cativo.

Quero dizer que, mesmo vencido, eu lutava para me agarrar à normalidade com todas a minhas forças; desde cedo, tornei-me fascinado em sanar as fendas do porvir, enquanto eu permitia que elas se alargassem  silenciosamente em meu próprio crânio, prenunciando a minha chance de redenção

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