Já ocorreu algumas vezes, ao receber clientes pela
primeira vez em meu consultório, de haver longos choros, antes de qualquer
palavra. Meu papel como terapeuta é acolher. Apenas isto. Não é preciso saber
“o que”, “como”, nem “onde”. O choro está ali e precisa ser sentido, não
justificado.
Estes
choros às vezes se interrompem por palavras como “desculpe”, “não repare”. Será
uma culpa por se entregar a um momento particular? Por se permitir vivenciar as
emoções? Posso dizer, “não se preocupe, é o seu momento”. E é mesmo. A
psicoterapia é o momento de olhar para si e, infelizmente, para muitas pessoas,
o consultório psicológico é o único lugar para isto.
Às
vezes, ao terminar a sessão, me pergunto por quanto tempo aquele choro ficou
aprisionado. Existem choros que passam por uma vida inteira desejando
liberdade. Existem choros que morrem engasgados. Alguns secam, outros
transbordam e há também os que saem por outras vias do corpo. Entretanto, ao
conhecer estas histórias de vida, me deparo com inúmeras anulações,
dificuldades de entrar em contato consigo mesmo, inúmeros momentos de
inautenticidade. Ao conhecer melhor estas pessoas, muitas vezes, me deparo com
uma vida aprisionada nos moldes da sociedade.
A
sociedade exige que sejamos uma porção de coisas que nem sempre damos conta. A
cultura do consumismo faz uma aliança com as mídias e nos vendem uma felicidade
enlatada e ilusória. Perdidos em meio a tantas cobranças sociais, algumas
pessoas vão tentando se “encaixar” em modelos de vidas que não são os seus e
sentem-se aliviadas ao receberem o título de “normal”. Onde é que isto vai
parar?
Creio
que isto pare na insatisfação, na desmotivação, no desânimo... Todos estes
sintomas sociais são, novamente, nomeados. São ditos “anormais” e recebem o
nome de “depressão”. Depressão esta causada pelo próprio modelo de sociedade
que criamos e sustentamos.
Ao
receber um nome, recebe-se um lugar – o consultório psiquiátrico. Recebe-se um
antídoto – geralmente o antidepressivo (que é sim necessário em muitos casos,
mas vem sendo banalizado). Recebe-se tantas coisas que me deixam na dúvida se
ajudarão estas pessoas à encontrarem a si mesmas ou funcionarão apenas como um
anestésico.
Lembro-me
então de uma analogia feita por uma colega de trabalho: “Algumas das cirurgias
feitas na alma são tão dolorosas que precisam da ajuda de um anestesista, assim
como as cirurgias feitas no corpo.”. Penso que essa analogia nos diz que o
sofrimento psicológico pode ser tão intenso que é preciso cessá-lo antes de
tocar. Mas, por outro lado, a dor sinaliza e aponta a necessidade de mudança.
Sem ela, corremos o risco de nos acomodarmos em situações desfavoráveis para o
nosso próprio crescimento.
Contudo,
o importante para pessoas que passam por situações como estas, é que não fiquem
apáticas e anestesiadas diante da própria vida. Que procurem desenrolar este
fio cheio de nós, cuja ponta foi perdida. E, por que não, que experimentem o
processo libertador que é a psicoterapia.
*Camila Marques é psicóloga e oferece atendimentos
clínicos pela abordagem existencial fenomenológica. Tem formação em
Psicossomática pela Faculdade de Medicina da UFMG. É colunista da RedePsicoterapias e escreve aos domingos sobre o tema "Psicoterapia: reflexões
para terapeutas e clientes".
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