domingo, 22 de fevereiro de 2015

A Psicoterapia como um processo de liberdade

Já ocorreu algumas vezes, ao receber clientes pela primeira vez em meu consultório, de haver longos choros, antes de qualquer palavra. Meu papel como terapeuta é acolher. Apenas isto. Não é preciso saber “o que”, “como”, nem “onde”. O choro está ali e precisa ser sentido, não justificado.

Estes choros às vezes se interrompem por palavras como “desculpe”, “não repare”. Será uma culpa por se entregar a um momento particular? Por se permitir vivenciar as emoções? Posso dizer, “não se preocupe, é o seu momento”. E é mesmo. A psicoterapia é o momento de olhar para si e, infelizmente, para muitas pessoas, o consultório psicológico é o único lugar para isto.
 
Às vezes, ao terminar a sessão, me pergunto por quanto tempo aquele choro ficou aprisionado. Existem choros que passam por uma vida inteira desejando liberdade. Existem choros que morrem engasgados. Alguns secam, outros transbordam e há também os que saem por outras vias do corpo. Entretanto, ao conhecer estas histórias de vida, me deparo com inúmeras anulações, dificuldades de entrar em contato consigo mesmo, inúmeros momentos de inautenticidade. Ao conhecer melhor estas pessoas, muitas vezes, me deparo com uma vida aprisionada nos moldes da sociedade.

A sociedade exige que sejamos uma porção de coisas que nem sempre damos conta. A cultura do consumismo faz uma aliança com as mídias e nos vendem uma felicidade enlatada e ilusória. Perdidos em meio a tantas cobranças sociais, algumas pessoas vão tentando se “encaixar” em modelos de vidas que não são os seus e sentem-se aliviadas ao receberem o título de “normal”. Onde é que isto vai parar?

Creio que isto pare na insatisfação, na desmotivação, no desânimo... Todos estes sintomas sociais são, novamente, nomeados. São ditos “anormais” e recebem o nome de “depressão”. Depressão esta causada pelo próprio modelo de sociedade que criamos e sustentamos.

Ao receber um nome, recebe-se um lugar – o consultório psiquiátrico. Recebe-se um antídoto – geralmente o antidepressivo (que é sim necessário em muitos casos, mas vem sendo banalizado). Recebe-se tantas coisas que me deixam na dúvida se ajudarão estas pessoas à encontrarem a si mesmas ou funcionarão apenas como um anestésico.

Lembro-me então de uma analogia feita por uma colega de trabalho: “Algumas das cirurgias feitas na alma são tão dolorosas que precisam da ajuda de um anestesista, assim como as cirurgias feitas no corpo.”. Penso que essa analogia nos diz que o sofrimento psicológico pode ser tão intenso que é preciso cessá-lo antes de tocar. Mas, por outro lado, a dor sinaliza e aponta a necessidade de mudança. Sem ela, corremos o risco de nos acomodarmos em situações desfavoráveis para o nosso próprio crescimento.

Contudo, o importante para pessoas que passam por situações como estas, é que não fiquem apáticas e anestesiadas diante da própria vida. Que procurem desenrolar este fio cheio de nós, cuja ponta foi perdida. E, por que não, que experimentem o processo libertador que é a psicoterapia.

*Camila Marques é psicóloga e oferece atendimentos clínicos pela abordagem existencial fenomenológica. Tem formação em Psicossomática pela Faculdade de Medicina da UFMG. É colunista da RedePsicoterapias e escreve aos domingos sobre o tema "Psicoterapia: reflexões para terapeutas e clientes".

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