Um conhecido texto de Rubem Alves, intitulado
“Escutatória”, aborda de maneira criativa e poética a problemática de escutar e
falar na experiência humana. Diz o escritor, com muito bom humor, que todos
procuram por cursos de oratória, ou seja, todos querem aprender a falar, mas
ninguém se interessaria por um curso de “escutatória”, isto é, pelo aprendizado
da arte de escutar.
Diriam alguns que
ouvir é muito fácil, que árduo é aprender a falar, a se expressar, a se
comunicar. Sem dúvida que a expressão é difícil para muitos — em clínica
psicanalítica recebemos pacientes com tal dificuldade –, mas saber escutar é
igualmente trabalhoso e raro.
Sugiro aqui uma
distinção entre ouvir e escutar. Ouvir é aquilo que fazemos em nossos
relacionamentos cotidianos: ouvimos o outro, muito embora, com frequência,
estejamos apenas esperando por nossa oportunidade para falar. Misturamos nossos
preconceitos e julgamentos com aquilo que ouvimos da boca do próximo e, como
resultado, compreendemos e acolhemos muito pouco daquilo que ele ou ela nos
dirige com sua fala. Estamos ávidos por opinar, por discordar, por aconselhar.
A escuta, por sua
vez, tem uma qualidade diferente. É aquilo que se faz, como diz Rubem Alves,
quando há silêncio dentro da alma. Quando os pensamentos não fazem ruído
excessivo em nossa cabeça, aí, sim, podemos escutar o outro. Quando abrimos mão
de nossos preconceitos, certezas e julgamentos, podemos realmente escutar e
acolher aquilo que o outro nos endereça em sua fala.
A possibilidade de escutar a partir do silêncio é muito enfatizada
na mística oriental. Um antigo conto zen-budista relata a busca de um discípulo
pela sabedoria, indagando seu mestre. O mestre Zen nada lhe explica, ao
contrário, apenas despeja chá na xícara do discípulo, até o líquido
transbordar. Quando o consulente, surpreso, queixa-se desse pequeno descuido, o
mestre diz-lhe que aquela xícara cheia de chá era como a sua mente, repleta de
opiniões e conhecimento ocioso. Nada de novo poderia ali entrar, ela estava
completamente ocupada. Em outros termos, o discípulo ainda não tinha a
capacidade de escutar.
O psicanalista
também está ciente do problema, pois sabe que somente se escuta um paciente na
ausência de julgamentos e de certezas absolutas a respeito do que ele fala. E o
paciente, ao sentir-se verdadeiramente escutado, consegue, finalmente, dar
expressão aos seus pensamentos e sentimentos. Nos idos de 1900, foi Freud o
primeiro a dar uma escuta às pacientes histéricas, que eram vistas como
dissimuladas pelos médicos da época. Ninguém realmente as escutava, seu
discurso era menosprezado. E com esse ato simples, porém difícil, de escutar,
conseguiu Freud compreender e mostrar-lhes a dinâmica inconsciente de seus
sintomas, livrando muitas delas da miséria neurótica.
Texto completo em: Escuta Psicanalítica
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