“O menino está apaixonado pela mãe e quer afastar o
pai; a menina, por sua vez, apaixonada pelo pai, quer afastar a mãe.” Eis em
algumas palavras o mais batido clichê da psicanálise, uma ilustração
tradicional, ingênua e enfática do célebre drama amoroso: o complexo de Édipo.
E, no entanto, nada mais enganador que essa visão estática do complexo
freudiano. Por quê? Porque o complexo de Édipo não é uma história de amor e
ódio entre pais e filhos, é uma história de sexo, isto é, uma história de
corpos que sentem prazer em se acariciar, se beijar e se morder, em se exibir e
se olhar, em suma, corpos que sentem tanto prazer em se tocar quanto em se
fazer mal.
Não, Édipo nada tem a ver com
sentimento e ternura, mas com corpo, desejo, fantasias e prazer. Provavelmente,
pais e filhos amam-se ternamente e podem se odiar, mas, no coração do amor e do
ódio familiar, medra o desejo sexual.
O Édipo é um imenso despropósito: é
um desejo sexual próprio de um adulto, vivido na cabecinha e no corpinho de uma
criança de quatro anos e cujo objeto são os pais. A criança edipiana é uma
criança alegre que, em toda inocência, sexualiza os pais, introduzindo-os em
suas fantasias como objetos de desejo e imitando sem pudor nem senso moral seus
gestos sexuais de adultos. É a primeira vez na vida que a criança conhece um
movimento erótico de todo seu corpo em direção ao corpo do outro. Não se trata
mais de uma boca tendendo para um seio, mas de um ser integral que quer apertar
o corpo inteiro da mãe. Ora, se é verdade que a criança edipiana fica feliz ao
desejar e obter prazer com isso, é mais verdade ainda que desejo e prazer a
assustam, pois ela os teme como um perigo. Que perigo? O perigo de ver seu corpo
desgovernar-se sob o ardor de seus impulsos; o perigo de ver sua cabeça
explodir em virtude de não conseguir controlar mentalmente seu desejo; e,
finalmente, o perigo de ser punida pela Lei do interdito do incesto, por ter
tomado os pais como parceiros sexuais. Excitada pelo desejo, feliz com suas
fantasias mas igualmente angustiada, a criança sente-se perdida e completamente
desamparada. A crise edipiana é um insuportável conflito entre o prazer erótico
e o medo, entre a exaltação de desejar e o medo de se consumir nas chamas do
desejo.
Assim, a criança reage sem
transigir. Dividida entre a alegria e a angústia, não tem outra saída senão
esquecer tudo e apagar tudo. Sim, a criança edipiana, seja menino ou menina, recalca
vigorosamente fantasias e angústia, pára de tomar seus parentes por parceiros
sexuais e torna-se com isso disponível para conquistar novos e legítimos
objetos de desejo. É assim que, progressivamente, descobre o pudor, desenvolve
o sentimento de culpa, o senso moral e estabelece sua identidade sexual de
homem ou de mulher.
Referência:
Nasio, Juan-David. Édipo: o complexo do
qual nenhuma criança escapa / J.-D. Nasio; tradução, André Telles. — Rio de
Janeiro: Zahar, 2007.
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