O filme “O Discurso do Rei” é uma verdadeira aula sobre a relação entre terapeuta e paciente na clínica psicanalítica. No roteiro, a história do Rei George VI, que, por conta de problemas de gagueira, não consegue discursar em público. O personagem, brilhantemente vivido pelo ator Colin Firth, sai em busca de uma solução até encontrar o terapeuta da fala Lionel Lougue (vivido pelo ator Geoffrey Rush).
Lougue, ator frustrado e adorador de Shakespeare, parece conhecer a fundo a teoria psicanalítica e a aplica de forma pouco ortodoxa para curar problemas de voz em seus pacientes. Apesar dos exercícios típicos da fonoaudiologia, o terapeuta sabe que as razões principais para a gagueira do rei moram muito mais nos calabouços emocionais do que nos problema físicos.
O primeiro aspecto que pode ser discutido é o fato de o terapeuta não possuir nenhum tipo de credencial para sua atividade. Em 1926, no livro “A Questão da Análise Leiga”, Freud defende com veemência que a atividade psicanalítica deve ser independente da medicina ou de qualquer outra formação acadêmica. De certa forma, é isso que ocorre nos dias de hoje, com a disseminação das sociedades livres de psicanálise pelo País e pelo fato dos cursos de psicologia serem incapazes de munir seus alunos para a complexidade da teoria do inconsciente. Freud também salientava a importância da análise pessoal do futuro psicanalista, única forma de ele estar preparado para enfrentar as transferências de uma análise.
No filme, Lougue, apesar de não seguir nenhum tipo de escola terapêutica, bebe de todas elas e mostra boa capacidade e sensibilidade no trato com o paciente. A sinceridade com que exerce seu ofício e o comprometimento e o desejo com a melhora do paciente já parecem lhe atribuir condições de realizar o atendimento. É neste momento que o terapeuta cria um vínculo perfeito com seu paciente, o auxiliando da forma mais honesta e, por que não, profissional possível.
Winnicott (1896-1971), por sua vez, utiliza a expressão holding para falar sobre a relação entre paciente e terapeuta. O pediatra e psicanalista acredita que o sujeito só pode vir a ser com o apoio de uma mãe suficientemente boa em sua formação emocional. O papel do psicanalista, portanto, é auxiliar o paciente a encontrar a confiança egóica para criar as condições para ele vir a ser. No filme, a voz de George VI se torna mais firme conforme sua confiança em relação ao terapeuta aumenta. No momento que o rei faz a transferência e acredita no papel de seu analista, ganha confiança e se sente abraçado. A presença do outro, que passa a conhecer sua história e lhe compreender, neste ponto, lhe dá a segurança para vir a ser, para se expressar sem sobressaltos e inseguranças. É neste momento que a análise funciona e que, como diria Winnicott, ocorre um momento sagrado entre terapeuta e analista.
Muitos outros detalhes são interessantes em “O Discurso do Rei”. São claros os momentos de transferência, resistência, contratransferência e a necessidade de o analista em tratar o paciente como igual. Apesar de rei, quem dava as cartas no consultório era o terapeuta, que se manteve firme ao olhar seu paciente como um ser humano como outro qualquer, sem coroas ou tronos a interferirem em seu trabalho (fator fundamental para a psicanálise). No final, o laço terapêutico se fecha com a confiança do paciente em seu analista e um nascimento de seu desejo – real e espontâneo – de vir a ser. Se o discurso do rei é a voz de um povo, o discurso do terapeuta tem o papel de ser uma voz que desperta o analisando para o mundo dos seus próprios desejos. Em “O Discurso do Rei”, George VI precisa apenas do apoio de um homem que lhe enxergue de verdade, sem as fantasias de um rei.
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