A internação compulsória de dependentes de crack não é a maneira mais eficiente
de se lidar com o problema do vício, segundo especialistas da ONU e da OMS
(Organização Mundial da Saúde) ouvidos pela BBC Brasil.
O tema voltou a debate no Brasil em janeiro, quando o governo de São Paulo
fez uma parceria com a Justiça para agilizar a internação forçada de casos
extremos de dependentes da droga.
O governo paulista diz que suas propostas para o tratamento dos usuários de
crack estão de acordo com as premissas da ONU e da OMS e afirma que, até hoje,
nenhum paciente foi internado por ordem judicial e menos de dez foram internados
involuntariamente (a pedido da família, mas sem ordem da Justiça).
Para o médico italiano Gilberto Gerra, chefe do departamento de prevenção às
drogas e saúde do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC,
na sigla em inglês), é necessário oferecer aos viciados "serviços atrativos e
uma assistência social sólida".
"Uma boa cura de desintoxicação envolve tratamento de saúde, inclusive
psiquiátrico para diagnosticar as causas do vício, pessoas especializadas e
sorridentes para lidar com os dependentes e incentivos como alimentação, moradia
e ajuda para arrumar um emprego", diz Gerra.
"O Brasil precisa investir recursos para oferecer serviços que funcionem e
ofereçam acompanhamento médico completo, proteção social, comida e trabalho para
os dependentes", afirma.
De acordo com ele, o Brasil tem bons profissionais no campo do tratamento das
drogas, mas faltam especialistas, e a rede médica nessa área é insuficiente. Segundo Gerra, a internação compulsória deve ocorrer pelo prazo máximo de
algumas semanas e só se justifica quando o dependente apresenta comportamento
perigoso para a sociedade ou para si próprio.
Acompanhamento
O médico defende o acompanhamento contínuo mesmo após a fase de
desintoxicação, como exames de urina para detectar drogas nas pessoas que
receberam auxílio para arrumar um emprego ou a presença de assistentes na hora
das compras no supermercado para fiscalizar se o cupom de alimentação recebido é
realmente utilizado com essa finalidade.
Autor do documento "Da coerção à coesão: tratando a dependência às drogas por
meio de cuidados à saúde e não da punição", do UNODC, Gerra diz que o tratamento
do vício do crack não é feito com remédios, e sim com acompanhamento psicológico
e psiquiátrico.
Ele afirma ainda que os países democráticos devem "estar atentos" ao sistema
de internação compulsória para não transformar isso em uma "rede" de tratamento
para lidar com o problema.
Para o médico australiano Nicolas Campion Clark, da direção do abuso de
substâncias da Organização Mundial da Saúde (OMS), a internação compulsória traz
o risco de "criar uma barreira com o dependente" e afetar sua confiança,
dificultando, portanto, o tratamento.
Clark afirma que muitos países possuem legislações que autorizam a internação
compulsória de dependentes, mas "isso é usado raramente e não funciona realmente
na prática".
"É melhor encorajar o sistema voluntário de tratamento. É difícil forçar
alguém a se tratar. Se você oferecer uma chance para as pessoas se recuperarem e
terem comida, alguns vão agradecer, outros vão querer voltar para onde estavam",
afirma.
Fonte: BBC
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